MORTE E RESSURREIÇÃO NAS CAATINGAS DO SERTÃO
Manoel Belarmino
Conta-se, e foi um caso verídico,
testemunhado pelo meu avô Zé Nicácio, Pedro Rosa e o velho Badu, que uma
senhora moradora da Serra Negra, Dona Maria Pau, adoeceu e morreu. Era uma
tarde de 11 de agosto de 1951, no Sítio dos Soares, em Poço Redondo. Aí as
pessoas da comunidade providenciaram o velório, a sentinela. Foram na cidade de
Poço Redondo e compraram os panos de cor branca e azul, os pregos e chamaram o
marceneiro para durante a noite confeccionar o caixão, usando os panos e as
madeiras de facheiro e mandacaru. As mulheres já costuravam as mortalhas e as
outras, na cozinha, preparavam o café. As rezadeiras de excelências já
colocavam as esteiras na sala para entoar os cantos, o Terço e no amanhecer o
Ofício de Nossa Senhora. E o Maria Valei-me. O outro montado em um burro
andador já havia ido à cidade providenciar as garrafas de cachaça. Aquela noite
de sentinela seria longa. Os Soares, exímios contadores de piadas e anedotas,
já haviam chegado. A fogueira de sentinela já estava ali acesa no meio do terreiro.
Cepos, tamboretes e bancos de madeira já estavam colocados ao redor da
fogueira. E lá dentro na sala as velas de sentinelas também já estavam acesas.
E bem no meio da sala, estirado, frio, esticado e enrijecido, está o corpo de
Maria Pau, morto "e morrido", sobre uma esteira de palha e coberto
com um lençol branco. Excelências entoadas pelas rezadeiras de sentinela e de
quaresma do Sítio e do Maranduba já se ouvia naquela noite de pouco vento de
fim de inverno no sertão caatingueiro a longas distâncias. No terreiro o caixão
já estava ficando pronto. Um ataúde envolto em um pano azul. Maria Pau, mesmo
sendo moradora da localidade Baixão no Território da Serra da Guia, seria
sepultada no Cemitério Antigo do povo de Maria do Rosário, o Cemitério do Sítio
dos Soares, por ter morrido ali na casa da sua irmã, no Sítio.
Somente de madrugada o caixão e
as mortalhas ficam prontos. O corpo é devidamente vestido nas mortalhas e
colocado no caixão. E as mulheres já haviam iniciado reza do Ofício. Alguns
homens já estavam no cemitério cavando a cova para o enterro de Maria Pau. Aí
quando o dia já começava a clarear, o meu avô Zé Nicácio, que estava de
joelhos, próximo das rezadeiras e do cadáver, percebe algo estranho no caixão.
Maria Pau morta estava se mexendo com pernas e braços e de olhos arregalados
olhando o movimento. E grita: "- Quem morreu aqui!" Quase todos correram
com medo. Ficou ali Zé Nicácio e alguns homens dos Soares que já havia bebido
algumas doses de cachaça em quantidade maior.
A sentinela acabou ali. Maria Pau
levantou-se do caixão e foi comer cuscuz com leite na cozinha porque estava com
fome, pois quando esteve morta não havia almoçado e nem jantado. No mesmo dia,
antes do meio dia, juntamente com seu marido Odilon ela deixou o Sitio dos Soares
e foi para o Baixão colher fava, feijão, limpar a mandioca e bater milho. Maria
Pau ainda viveu muitos anos depois da primeira morte e antes da segunda morte.
Foi assim a morte e a
ressurreição de Maria Pau.
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