SOBRE A PRODUÇÃO DE FARINHA DE MANDIOCA EM POÇO REDONDO

Manoel Belarmino

Lembranças tomam conta de meus pensamentos como imagens de um filme. Lembranças de um passado recente. São as lembranças das farinhadas. Falar ou escrever sobre produção de mandioca e farinha em Poço Redondo nos tempos atuais parece estranho. Mas as farinhadas, no meu tempo de menino, ainda eram, além da produção da farinha, da tapioca, do beiju, uma festa dos valores da solidariedade nas diversas comunidades espalhadas por este sertão. A produção artesanal e coletiva da farinha e outros derivados da mandioca marcaram a minha infância e juventude no Boqueirão, entres a Serra da Guia e a Serra Negra, no Território da Serra da Guia. As farinhadas duravam semanas inteiras, meses inteiros, recheadas de muita solidariedade, coletividade, cultura, histórias, cordéis, cantorias. O barulho da roda, do reio e do rodete, a pressão da prênsão, a peneira da massa na urupemba, a tapioca, os beijus, a raspa da mandioca, o rodo no mexer da farinha no forno de barro.

Em minhas andanças por estas comunidades de Poço Redondo, percebi que na Serra do Boi, no Óleo, na Lagoa Dantas, em Patos, nas Areias, no Cururipe, na Guia e outras localidades encontramos escombros das casas de farinha que por muito tempo ali existiram. E também sempre ouvimos dos mais velhos, histórias das farinhadas que ali aconteceram.

No município de Poço Redondo, nas comunidades, existiram diversas áreas de roças com plantações de mandioca, aipim e casas de farinha que funcionaram por muito tempo.

Nos tempos atuais, o desmatamento do bioma caatinga, com a ocupação antropocêntrica desordenada, as aberturas de estradas e o aumento da bovinocultura em pasto nu com o buffel, provocou mudanças radicais nos ecomicroclimas das comunidades mandioqueiras de Poço Redondo. Tornou-se, em pouco tempo, impossível se cultivar a mandioca no sertão. O sertão perdeu nos últimos 40 anos, 90% da caatinga, perdeu 100% dos seus ecomicroclimas, 75% dos olhos d'água, 80% dos solos agricultáveis e quase todas as sementes históricas, tanto das mandiocas como de outras culturas crioulas.

E o que vemos hoje são os preços da farinha e os seus derivados lá em cima. Um quilo de farinha nos supermercados, nas mercearias e nas feiras livres por R$6,00 reais. Goma, tapioca, polvilho, são produtos de luxo.

Além de a farinha fazer parte de nossa culinária, de consumirmos farinha todos os dias, a mandioca foi aqui uma base da economia solidária e de subsistência local para boa parte da população camponesa. A mandioca e as farinhadas, também, eram símbolos de relações sociais de produção familiar, tradições históricas e valores culturais.


Ou recuperamos a caatinga e os valores culturais e históricos das populações, ou morreremos em um deserto feito por nós.

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