O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA, SOBRE UM JEGUE
Manoel Belarmino
Hoje a igreja celebra o Domingo de Ramos. Neste
dia, sempre vem à cabeça aquela imagem de Jesus Cristo montado em um jeguinho,
este mesmo animalzinho servidor que é visto nas caatingas e estradas do
Nordeste.
O Mestre Jesus, naquela entrada triunfal em Jerusalém,
seguido por uma multidão, não precisou do aparato estatal, de segurança
particular, nem de uma carruagem, quis apenas um jegue. As cantigas e os aboios
dos camponeses, do povo simples, e os ramos verdes das plantas do lugar
enfeitaram o caminho de Jesus.
Ali era o grande iniciou de uma profunda e
duradoura mudança da humanidade, com dor, sangue e ressurreição. Com dor e
alegria, martírio e esperança. A partir dos Ramos, da Paixão e da Ressurreição,
consolida-se o Caminho, a Verdade e a Vida, como presença na humanidade.
As mudanças na sociedade nunca vieram e nunca virão
dos que estão nas cúpulas, mas dos que estão nas periferias e nas comunidades
camponesas empobrecidas, dos excluídos, dos que nunca passaram do andar sobre
um jegue. As mudanças virão dos que não têm oportunidades e nem espaços de
poder para construir as politicas públicas. Em vários lugares, nas periferias
dos bairros pobres, nos quilombos e comunidades camponesas, nas comunidades
ribeirinhas, nas populações de rua, há ainda a esperança naqueles que ousa
lutar pela construção de políticas públicas eficientes e por uma vida digna
para todos.
Ali nos "Ramos do Povo", o Mestre Jesus
provocava uma radical mudança na humanidade. A Esperança entra em Jerusalém
sobre um jegue, animalzinho do pobre roceiro, emprestado por um camponês pobre
das redondezas daquele grande centro do poder estatal e religioso.
Sobre um jegue, acercado de uma multidão de pobres,
sem armas, Jesus desafia o poder imperial de Roma e a política sacerdotal do
templo. Assombradas, as autoridades sacerdotais e estatais viram o Caminho, a
Verdade e a Vida, descer pela estrada do Monte das Oliveiras e, triunfante,
pacífico e provocador, adentrar Jerusalém. A entrada de Jesus em Jerusalém foi
uma afronta ao poder constituído que sempre esteve armado até os dentes. Jesus
Cristo mostra ali que nem o poder religioso, nem o pode econômico e nem o poder
político resolvem o problema das desigualdades e das injustiças humanas. Esses
poderes constituídos jamais criam esperança libertadora. Pelo contrário, geram
uma desesperança alimentada pelas estruturas humanas podres nesses poderes
constituídos. E Jesus Cristo na vida e na história da humanidade sempre esteve
na contra mão de tudo isso.
O Domingo de Ramos é o grande reboliço, pacífico e
provocador, do mestre e profeta Jesus Cristo de Nazaré, na última semana antes
da Paixão. Jesus percebe que é o momento de sair da palavra para os gestos,
para a prática, para os fatos. Jesus mostra a cara, o rosto. Jesus percebe que
é a hora de proclamar o Reino de Deus com o povo.
Neste Domingo de Ramos, refletindo sobre o
Evangelho do Mestre Jesus, percebemos que é hora de voltarmos as raízes, as
nossas raízes. Não é possível construir políticas públicas com os que desfilam
diariamente nas carruagens pomposas, carros de luxo e aviões. Políticas
públicas eficientes só são possíveis de construir com os que diariamente vão e
vêm do trabalho sobre o lombo do jegue, no aperto do abafo dos transportes
coletivos das grandes cidades, dos que não têm acesso digno a água para beber
nas comunidades espalhadas pela caatinga em pleno século XXI, dos que andam a
pé catando materiais recicláveis para sobreviver.
Jesus escapou, quando ainda criança, da fúria da
morte dos poderosos sobre o lombo de um jegue, que era da sua família, e
encerrou a sua carreira, triunfal e garboso na simplicidade, aqui na Terra, em
Jerusalém, sobre o lombo também de um jegue emprestado. É uma grande lição de
despojamento. Jesus na sua vida não saiu de um jegue para uma carruagem. Jesus
Cristo foi despojado de qualquer poder econômico. Não acumulou nenhuma riqueza
material.
E neste Domingo de Ramos, o Caminho, a Verdade e a
Vida, ainda continua sobre o lombo de um jegue em todos os lugares, das
periferias dos grandes centros urbanos às comunidades camponesas mais
empobrecidas deste planeta. Jesus Cristo continua na Comunhão da partilha do
pão da solidariedade da mesa dos mais pobres que moram sob a ponte, dos que não
têm acesso digno à água, dos que não têm mais nem o rio e nem o peixe, dos
excluídos das políticas públicas essenciais à vida.
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