O CÉU DAS CARNAÍBAS NA HISTÓRIA DE SERGIPE
Manoel Belarmino
Bem antes do ajuntamento de Canudos, homens e mulheres, rejeitados, pobres de economia e carentes de apoio na fé, se ajuntaram e decidiram construir um céu na terra "ao vivo" com gente de carne e osso, nas Carnaíbas, nas proximidades da Vila do Riachão, atual Município de Riachão do Dantas, em Sergipe. Sob uma orientação religiosa, liderada por dois homens, tendo como símbolo religioso a Santa Cruz, O Céu das Carnaíbas fora instalado na década de 1870 bem antes de Canudos de Antônio Conselheiro.
Ali,
formava-se uma comunidade religiosa apartada das estruturas da Igreja Oficial e
uma forma diferente de vida econômica totalmente autônoma, fora das rédeas do
Estado. Sobre o Céu das Carnaíbas, Sílvio Romero escreveu: "... passou-se
no lugar denominado Carnaíbas, próximo da Vila de Riachão, na província de
Sergipe. Dois pretos velhos alienados fizeram morada em em uma casinhola onde
havia uma Santa Cruz". E ainda
continuou escrevendo Romero: "Pois bem, os.dois negros em um teatro destes
entraram a fazer sermões e para logo viram agrupar-se em torno de si enorme
multidão. Estabeleceram o comunismo das mulheres e fizeram prédicas
infamantes". Vejamos ainda o que diz João Dantas Martins dos Reis no seu
texto As Almas das Carnaíbas - Um Céu no Riachão - Resquício das Intituladas
Santidades, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe, número 16, em 1942: "No lugar 'Carnaíbas', daquele município [de
Riachão do Dantas], organizou-se um céu ao vivo. Em torno das práticas do
conhecido rezador, despreparado, porém inteligente, agruparam-se pessoas
desocupadas, mamelucos, negros foragidos e malfeitores, que vinham sendo
espreitado pela polícia, e resolveram criar um céu na terra, em que pudessem
passar uma vida mais tranquila e suave, numa promiscuidade sem peias, gozando
as delícias da despreocupação e da impunidade". Os membros do Céu das
Carnaíbas viviam comunalmente em todos os sentidos.
Não
se tem certeza se houve a influência de Antônio Conselheiro, o que se sabe é
que naquela década Antonio Conselheiro já pisava nas terras de Sergipe. Além de
outras fontes, o jornal O Rabudo, de Estância, por volta de 1876, noticiou a
presença presença de Antônio Conselheiro em Sergipe. Sabe-que Antônio
Conselheiro esteve em Curralinho, em Poço Redondo, em Itabaiana, na Vila de
Riachão e outros lugares em terras sergipanas.
E, ainda, se o Céu das Carnaíbas teve a
influência ou a orientação de Antônio Conselheiro, podemos afirmar que a utopia
das Carnaíbas fora bem mais ousada e radical do que ele conseguiu implantar em
Canudos nas caatingas da Bahia, 20 anos mais tarde.
Não
há dúvidas de que a Santidade das Carnaíbas foi um movimento messiânico. Todas
as características apontam para isso. Apesar do nome de Antônio Vicente Mendes
Maciel não aparecer no Processo por crime de resistência, em Riachão do Dantas,
não quer dizer que não fosse ele um inspirador e até mesmo um organizador.
Naquela ocasião, Antônio Vicente Mendes Maciel peregrinava na região; estava
preso, em Itapicuru, perto do território do Riachão do Dantas.
Dr.
João Dantas Martins dos Reis, responsável pelo registro sobre o Céu das
Carnaíbas, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, na edição
de número 16, dá notícia da reação local, dizendo que “as autoridades do
Riachão e cidadãos qualificados, alcançando o perigo, resolveram destroçar com
o novo céu em formação.”
Um
Processo foi aberto, na justiça de Sergipe, sobre a Santidade das Carnaíbas. O
Juiz Municipal de Riachão do Dantas, Antonio Exupero de Almeida enquadrou os
integrantes do “céu”, ou “almas devotas de Nossa Senhora da Agonia”, em crime
de resistência, certamente porque reagiram aos batalhões formados para
destroçar o Céu das Carnaíbas. A Santidade do Céu das Carnaíbas enfrentou o
batalhão com armas simples, paus e pedras, manejados com coragem e com fé. Além
dos tantos mortos, mais de 60 homens e mulheres foram violentamente reprimidos
e presos.
O
Céu das Carnaíbas foi um dos momentos de extraordinária riqueza da expressão
sócio-cultural popular sergipana na história de Sergipe. Ali, aos pés da Santa
Cruz, a "sede de céu no sertão", como diz José Falcon no seu canto a
Canudos, e a utopia de uma sociedade justa e igualitária do Céu das Carnaíbas
se encerravam sob a repressão armada das autoridades do Estado e dos
"cidadãos qualificados", ou os chamados "cidadãos de bem".
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