A CULTURA DAS FEIRAS LIVRES E A FEIRA DE POÇO REDONDO
Manoel Belarmino
A feira livre de Poço Redondo iniciou com os primeiros marchantes de bode e carneiro; e com os produtos trazidos pelos primeiros tropeiros. Tudo surgiu nos primórdios da formação da povoação de Poço Redondo
Depois do início da formação
da povoação de Poço Redondo, na frente da igrejinha de Nossa Senhora da
Conceição, formou-se ali uma pracinha. Além da bodega de Teotônio Alves China,
o China do Poço, construiu-se um barracão para as festas e que também serviu
para os primeiros marchantes, vendedores de carnes de bode e carneiros, exporem
os seus produtos; e depois outros vendedores colocariam ali outros produtos e
miudezas. E sempre as vendas aconteciam nos dias de domingo.
Os primeiros marchantes de bode e carneiro foram Zé Vicente e Marcionilo Feitosa. Todos os domingos ali estavam os marchantes vendendo carne de bode e carneiro. Logo cedo, já se aglomerava bastante gente. Um litro de cachaça e alguns tira-gostos em um espeto assado nas brasas de uma fogueira sempre estavam no centro da roda das conversas.
Embora a ocupação do
território de Poço Redondo teve como base a criação de gado bovino, naquela
época a miunça (cabras e ovelhas) era também numerosa nas terras do Poço
Redondo. Naqueles tempos, raramente via-se uma panela com carne bovina, mas era
comum nas refeições ter carne de peru, galinha caipira, guiné, bode, carneiro,
peba, tatu, veado e até carne de ema. Tudo era em abundância.
Somente depois de algumas
décadas apareceram mais dois marchantes ali na feirinha de Poço Redondo. E
estes são de carne bovina. Os marchantes de carne de boi são Timbé e Naniga.
Eles colocaram ali naquele barracão, na pracinha, onde hoje é a Praça da
Matriz, mais duas bancas para vender carne.
Também havia dificuldade em se
comprar produtos como farinha, açúcar, sal, café e outros. Algumas poucas
medidas de farinha, vindas de Propriá, começaram a ser vendidas ali. Mas a
qualidade era péssima. Aí vai surgindo os primeiros tropeiros de Poço Redondo.
Esses se organizaram em um pequeno grupo, com burros e cangaias. E toda semana
saiam de Poço Redondo para comprarem produtos em Nossa Senhora da Glória.
Compravam principalmente farinha, sal e açúcar. Saiam de Poço Redondo na
madrugada da sexta feira e só chegavam, de volta, na madrugada do domingo, no
dia da feira. Esses tropeiros, filhos de Poço Redondo, foram: Timbé, Messias
Marques, Zé de Lola e Antônio Marques. Esses heróis tropeiros andavam todas as
semanas mais de 20 léguas (Ida e volta). Dormiam na estrada em fazendas. Era
assim toda semana.
Inicialmente, por algum tempo,
a feira livre aconteceu no lago onde hoje é a Praça da Matriz; depois mudou
para onde hoje é a Praça Artur Moreira de Sá. Nessa Praça foi construído um
barracão. Ali a feira livre já era maior, aglomerado feirantes de diversos
lugares e com uma diversidade maior de produtos. E continuava acontecendo nos
dias de domingo.
Depois, com a construção do
Mercado da Carne e do Mercado da Farinha,
a feira livre mudou para a Praça José Florêncio, onde continua até hoje.
Abarcando também toda a Rua Gustavo Melo, Rua Manoel Pereira e a Praça Antônio
Conselheiro. A feira livre de Poço Redondo já ocupou também a Praça da Matriz e
a Rua Prefeito João Rodrigues.
Recentemente a Feira Livre
passou a funcionar nos dias de segunda-feira e teve a toda a área das bancas de
verdura coberta. E, mais recente ainda, a feira de Poço Redondo, passou a
funcionar nos dias de sexta feira.
Na feira livre de Poço Redondo já se vendeu de tudo. Comida, ferros, remédios do homem da cobra, garrafadas, cachetes, fumo de rolo, couro de veado, pele de jiboia. Tudo. Banha de cascavel. Espingarda e pirulito. Nos botecos, cachaça com casca de quixabeira, de bom nome, aroeira e todo tipo de pau dentro. Catingueirinha para “véio” que brocha e cascas de pau para chás. Mortalhas e pano para cobrir caixão de defunto. Tudo aqui já foi vendido e se procurar direitinho ainda pode encontrar.
Nos botecos de cachaça,
escuta-se de tudo depois de alguns goles de pinga. Acontecem ali dramas e
tramas. Acordos políticos e choros de homens traídos. Fuxicos e mentiras. E
também muitas verdades dos poetas, profetas e filósofos de feira. Cantorias,
histórias e poesias. Gabolices de vaqueiros ruins, histórias de caçadores e
conversas de pescador da beira do rio. Mentirosos juram que tudo que dizem é
verdadeiro. Tudo acontece ou pode acontecer no dia de feira. Negócios bem
feitos e negócios mal feitos. Trocas, compras e vendas. Um "bebo"
gastou todo o dinheiro da feira e adormeceu na calçada do boteco. Até num briga
por motivo fútil, e um metido a valente teve o bucho furado por outro que era
até então chamado de frouxo.
Mas, diante de tudo, a feira
livre é um encontro semanal de troca de saberes, de cultura, de partilha, do
encontro e do reencontro, dos pequenos negócios. Antes da Internet e do WhatsApp,
as notícias eram partilhadas e compartilhadas na feira livre. Geralmente uma
notícia era dada assim: "Eu soube na feira que..." e o noticiante
repassava a informação do seu jeito de contar.
No boteco ou no bar, um
violeiro cantador improvisa os mais belos versos. Numa banca de feira com um
auto falante, avista-se muitos folhetos de cordel pendurados, contando em versos
rimados e metrificados as mais belas histórias e acontecimentos. Assim foi nos tempos mais antigos nas feiras
livres de Poço Redondo e do Nordeste inteiro. Nos tempos atuais, os poetas, os
cordelistas e os profetas de feira, andam sumidos. Talvez a modernidade
desprovida do saber popular tenha sufocado os valores da verdadeira cultura
nordestina de raiz.
E assim começou e continua
sendo a feira livre de Poço Redondo. Feira que começou no domingo, depois
passou a ser na segunda-feira e hoje acontece na sexta-feira.
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