AS ÁGUAS DO VELHO CHICO E AS ÁGUAS QUE FECUNDAM ATÉ O MAR MORTO
Manoel
Belarmino
Estou
eu aqui, nesta tarde, sentado na frente da casa de minha mãe, no Bairro São
José, olhando o tempo e lendo Ezequiel 47, 1-12 sobre a água que fecunda até o
Mar Morto. "E junto ao rio, à sua margem, de um e de outro lado, nascerá
toda a sorte de árvore que dá fruto para se comer; não cairá a sua folha, nem
acabará o seu fruto; nos seus meses produzirá novos frutos, porque as suas
águas saem do santuário; e o seu fruto servirá de comida e a sua folha de
remédio" (Ex 47, 12).
Diante
desta leitura, neste trecho do Livro Sagrado, começo a refletir sobre o nosso
Rio São Francisco, sobre a Caatinga, o Cerrado e sobre o povo ribeirinho e as
populações da Bacia do Velho Chico.
Nós
sabemos que a Bacia do Rio São Francisco é composta basicamente por dois biomas
importantes: o bioma Caatinga e o bioma Cerrado. O Rio São Francisco é
basicamente perenizado por dois aquíferos que estão exatamente no bioma
Cerrado. São os aquíferos Urucuia e Bambuí, cuja recarga depende das chuvas,
absorvidas pelas raízes da vegetação nativa do Cerrado. "... Estas águas
saem para a região oriental, e descem ao deserto, e entram no mar; e, sendo
levadas ao mar, as águas tornar-se-ão saudáveis." (Ez 47, 8).
Nós
sabemos que o Cerrado é um bioma de formação complexa, que depende de diversos
fatores para a sua existência. Podemos citar entre esses fatores os bichos que
têm a capacidade de quebrar, no seu intestino, a dormência da sementes de
algumas plantas importantes. Coisa que a tecnologia moderna ainda não consegue
fazer. Outro fator é a polinização por vespas, besouros e abelhas indígenas do
Cerrado. "... toda a criatura vivente que passar por onde quer que entrar
estes rios viverá; e haverá muitíssimo peixe, porque lá chegarão estas águas, e
serão saudáveis, e viverá tudo por onde quer que entrar este rio." (Ez 47,
9). Com a extinção da fauna, consequentemente muitas plantas do Cerrado
desaparecerão. E o fator mais grave são as ações do homem, matando os bichos,
arrancando a flora e envenenando o solo, as águas e o ar.
"...
porque as suas águas saem do santuário; e o seu fruto servirá de comida e a sua
folha de remédio." Ex 47,12). Ao ler este trecho do Livro de Ezequiel,
nossos olhos descem às lagrimas, quando comparamos com a nossa realidade atual.
Somos nós os destruidores das riquezas da Criação. Somos nós os destruidores
Bacia do Rio São Francisco, da diversidade de vida dos seus biomas, veredas e
nascentes.
Vale
lembrar que o Cerrado é um bioma que já atingiu o seu apogeu evolutivo. Isto
quer dizer que uma vez degradado jamais será recuperado. O Cerrado aparece na
sua feição atual há 40 milhões de anos, possuindo um sistema radicular
complexo. E com isso começou a reter água das chuvas que caiam, principalmente
nas regiões do nordeste de Minas Gerais, Brasília, Nordeste de Goiás, uma parte
do Tocantins e o Oeste da Bahia. Estas águas são inicialmente armazenadas nas
fendas ou nas rochas decompostas, formando o lençol freático, e depois
infiltram pelas brechas das rochas, e acomodando-se em lençóis profundos. No
aquífero Bambuí esta água se acomodou nas grandes galerias comuns às formações
calcárias e no aquífero Urucuia a água foi formando gigantes reservatórios
acomodados entre os poros só arenito. Quando estes aquíferos retiveram água
suficiente estes começaram a brotar, na forma de olhos d'agua, principalmente
nas serras também formando as veredas. Foi assim a formação do Rio São
Francisco. O Rio São Francisco nasce com o nascimento do Cerrado, há 90 milhões
de anos. O Cerrado é considerado o mais antigo bioma do planeta.
As
plantas nativas do Cerrado estão sendo arrancadas literalmente e os animais já
não têm mais espaço para existir. As plantas nativas estão dando lugar às
plantas exóticas e os animais já deram lugar ao boi. No Cerrado já são
conhecidas mais de 13 mil espécies. Mas em viveiros só se conseguem reproduzir
em torno de 200 espécies. Atualmente os aquíferos aproveitam somente 20% das
águas que antes se poderiam ser infiltradas no subsolo. Nestes últimos dias tem
chovido bastante no Cerrado e na Caatinga, com o desmatamento os aquíferos e
fendas não conseguem ser reabastecidos. Toda água das chuvas escorrem pelas
superfícies desmatadas dos solos diretamente e de uma só vez para os rios.
No
bioma Cerrado, na Bacia do Rio São Francisco, 70% das nascentes e veredas estão
praticamente secas. É a confirmação que os aquíferos alimentadores e
perenizadores do Rio São Francisco estão literalmente secando. Além da
degradação acelerada da vegetação e dos animais do Cerrado e da Caatinga, a
fauna aquática do Rio São Francisco que possuía diversas espécies de peixes que
alimentava as populações ribeirinhas também já não existe mais.
Com
a continuidade do modelo agrícola vigente, voltado para alimentar o capital e
voltado para o lucro imediato, a morte do Rio São Francisco é dada como certa
em curto espaço de tempo.
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