POÇO REDONDO: A CULTURA DA FEIRA LIVRE
A feira livre de Poço Redondo iniciou com os primeiros machantes de bode e carneiro; e com os produtos trazidos pelos primeiros tropeiros. Tudo surgiu nos primórdios da formação da povoação de Poço Redondo.
Depois do início da formação da povoação de Poço Redondo, na frente da igrejinha de Nossa Senhora da Conceição, formou-se ali uma pracinha. Além da bodega de Teotônio Alves China, o China do Poço, construiu-se um barracão para as festas e que também serviu para os primeiros machantes, vendedores de carnes de bode e carneiros, exporem os seus produtos; e depois outros vendedores colocariam ali outros produtos e miudezas. E sempre as vendas aconteciam nos dias de domingo.
Os primeiros machantes de bode e carneiro foram Zé Vicente e Marcionilo Feitosa. Todos os domingos ali estavam os machantes vendendo carne de bode e carneiro. Logo cedo, já se aglomerava bastante gente. Um litro de cachaça e alguns tira-gostos em um espeto assado nas brasas de uma fogueira sempre estavam no centro da roda das conversas.
Embora a ocupação do território de Poço Redondo teve como base a criação de gado bovino, naquela época a miuça (cabras e ovelhas) era também numerosa nas terras do Poço Redondo. Naqueles tempos, raramente via-se uma panela com carne bovina, mas era comum nas refeições ter carne de peru, galinha caipira, guiné, bode, carneiro, peba, tatu, veado e até carne de ema. Tudo era em abundância.
Somente depois de algumas décadas apareceram mais dois machantes ali na feirinha de Poço Redondo. E estes são de carne bovina. Os machantes de carne de boi são Timbé e Naniga. Eles colocaram ali naquele barracão, na pracinha, onde hoje é a Praça da Matriz, mais duas bancas para vender carne.
Também havia dificuldade em se comprar produtos como farinha, açúcar, sal, café e outros. Algumas poucas medidas de farinha, vindas de Propriá, começaram a ser vendidas ali. Mas a qualidade era péssima. Aí vai surgindo os primeiros tropeiros de Poço Redondo. Esses se organizaram em um pequeno grupo, com burros e cangaias. E toda semana saiam de Poço Redondo para comprarem produtos em Nossa Senhora da Glória. Compravam principalmente farinha, sal e açúcar. Saiam de Poço Redondo na madrugada da sexta feira e só chegavam, de volta, na madrugada do domingo, no dia da feira. Esses tropeiros, filhos de Poço Redondo, foram: Timbé, Messias Marques, Zé de Lola e Antônio Marques. Esses heróis tropeiros andavam todas as semanas mais de 20 léguas (Ida e volta). Dormiam na estrada em fazendas. Era assim toda semana.
Inicialmente, por algum tempo, a feira livre aconteceu no lago onde hoje é a Praça da Matriz; depois mudou para onde hoje é a Praça Artur Moreira de Sá. Nessa Praça foi construído um barracão. Ali a feira livre já era maior, aglomerado feirantes de diversos lugares e com uma diversidade maior de produtos. E continuava acontecendo nos dias de domingo.
Depois, com a construção do Mercado da Carne e do Mercado da Farinha, a feira livre mudou para a Praça José Florêncio, onde continua até hoje. Abarcando também toda a Rua Gustavo Melo, Rua Manoel Pereira e a Praça Antônio Conselheiro. A feira livre de Poço Redondo já ocupou também a Praça da Matriz e a Rua Prefeito João Rodrigues.
Recentemente a Feira Livre passou a funcionar nos dias de segunda-feira e teve a toda a área das bancas de verdura coberta. E, mais recente ainda, a feira de Poço Redondo, passou a funcionar nos dias de sexta feira.
Na feira livre de Poço Redondo já se vendeu de tudo. Comida, ferros, remédios do homem da cobra, garrafadas, cachetes, fumo de rolo, couro de veado, pele de giboia. Tudo. Banha de cascavel. Espingarda e pirulito. Nos botecos, cachaça com casca de quixabeira, de bom nome, aroeira e todo tipo de pau dentro. Catingueirinha para véio que brocha e cascas de pau para chá. Mortalhas e pano para cobrir caixão de defunto. Tudo aqui já foi vendido.
Nos botecos de cachaça, escuta-se de tudo depois de alguns goles de pinga. Acontecem ali dramas e tramas. Acordos políticos e choros de homens traídos. Fuxicos e mentiras. Cantorias, histórias e poesias. Gabolices de vaqueiros ruins, histórias de caçadores e conversas de pescador da beira do rio. Mentirosos juram que tudo que dizem é verdadeiro. Tudo acontece ou pode acontecer no dia de feira. Negócios bem feitos e negócios mal feitos. Trocas, compras e vendas. Um "bebo" gastou todo o dinheiro da feira e adormeceu na calçada do boteco. Até num briga por motivo fútil, e um metido a valente teve o bucho furado por outro que era até então chamado de frouxo.
Mas, diante de tudo, a feira livre é um encontro semanal de troca de saberes, de cultura, de partilha, do encontro e do reencontro, dos pequenos negócios. Antes da Internet e do zap, as notícias eram partilhadas e compartilhadas na feira livre. Geralmente uma notícia era dada assim: "Eu soube na feira que..." e o noticiante repassava a informação do seu jeito de contar.
No boteco ou no bar, um violeiro cantador improvisa os mais belos versos. Numa banca de feira com um auto-falante, avista-se muitos folhetos de cordel pendurados, contando em versos rimados e metrificados as mais belas histórias e acontecimentos. Assim foi nos tempos mais antigos nas feiras livres de Poço Redondo e do Nordeste inteiro. Nos tempos atuais, os poetas, os cordelistas e os profetas de feira, andam sumidos. Talvez a modernidade desprovida do saber popular tenha sufocado os valores da verdadeira cultura nordestina de raiz.
E
assim começou e continua sendo a feira livre de Poço Redondo. Feira que começou
no domingo, depois passou a ser na segunda-feira e hoje acontece na
sexta-feira.
Comentários
Postar um comentário