POR UMA TRANSFORMAÇÃO MISSIONÁRIA NA IGREJA
O
artigo de autoria de Paolo Trianni, professor do Centro
Gregoriano de Estudos Inter-religiosos, publicado por Settimana News, em 06 de agosto de 2023, e pelo site IHU Unisinos, em em 10
de agosto de 2023, deveria ser lido por
todos os cristãos. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Francisco também
será lembrado como um papa
missionário. Com ele a missiologia, que já havia sido repensada
durante o Concílio
Vaticano II com o decreto Ad gentes e vinte e cinco anos depois com
a encíclica Redemptoris
missio, encontrou um maior desenvolvimento. A Exortação
Apostólica Evangelii
gaudium designa, de fato, uma nova ideia de missão,
mais ampla, mais inclusiva e mais dinâmica. Fala de uma transformação
missionária de toda a Igreja, especificando que todos os cristãos são
discípulos missionários (cf. EG 119).
O texto do documento, em particular, delineou uma nova ideia de missão que,
sem deixar de ser ad
gentes, não se circunscreve ou se limita a isso. Nele se explica
que a evangelização deve
ser concebida de forma mais ampla, especificando que seus destinatários não são
mais apenas os "gentios",
mas também os povos do Ocidente que estão se descristianando. Acima de tudo,
indica-se que temáticas como as velhas e novas pobrezas, as guerras, a
imigração ou o diálogo inter-religioso devem ser considerados âmbitos especiais
e privilegiados de missão.
De modo mais geral, nas páginas da exortação há um
convite à Igreja contemporânea a redescobrir-se integral e globalmente
missionária. Essa redescoberta centralidade
da missão, aliás, essa redesignação missionária da Igreja,
encontrou expressão também na constituição apostólica Praedicate
evangelium, na qual o Dicastério para a Evangelização (cf.
53-68) é significativamente colocado antes daquele da Doutrina da Fé (cf.
69-780).
A missiologia hoje
A Igreja é por natureza missionária (cf. Ad gentes 2). Ao
prolongar a encarnação de Cristo, a missão coincide e se identifica com a
própria Igreja. Entendida como realização das palavras e das obras de Cristo,
a atividade
missionária acompanhará sempre o caminho eclesial. Mas,
tendo mudado o horizonte da
missão, hoje mudou a figura do missionário e mudaram as suas
funções.
O horizonte histórico-social, mas também teológico, que
serve de pano de fundo aos novos
cenários missionários, mudou em virtude da globalização, dos
fluxos migratórios, da revolução digital, do secularismo, da diferente
avaliação teológica que se dá às outras culturas e tradições religiosas. O
paradoxo marcante é que hoje somos concidadãos de povos vindos de terras a
serem evangelizadas, enquanto muitos cristãos se convertem às suas
religiões. De forma igualmente paradoxal, o desenvolvimento tecnológico tornou
a Igreja conhecida, pelo menos parcialmente, em todo o mundo, enquanto Cristo
se tornou uma espécie de desconhecido para muitos dos batizados.
Uma primeira consequência desse novo cenário é que
a missão não
pode mais ser ligada ao paradigma geográfico. De fato, existe a necessidade de
missão onde quer que a palavra de Cristo seja ignorada, e essa ignorância não
diz respeito apenas a terras distantes, mas também às nações ocidentais. A
categoria paradigmática que acompanha a missão hoje, portanto, no lugar do
"onde", é aquela do "contexto". Dentro destes últimos,
porém, por se referirem a dois âmbitos distintas, convém fazer uma distinção
entre aqueles cultural-religiosos e aqueles existenciais.
Consequentemente, a figura do missionário também mudou. No
imaginário coletivo, de fato, o missionário é alguém “que parte”, mas a nova missiologia explica
que o missionário também é “quem fica”. Por isso, a tarefa que o espera também
é diferente, porque hoje quem se empenha na própria cidade em uma ação pastora
de eficaz contraposição à descristianização, é tão missionário quanto aquele
que deixa a sua terra para implantar novas Igrejas.
A missiologia
contemporânea não pode deixar de considerar esses novos
horizontes e essas várias transformações que modificaram as formas e os
conteúdos da missão, tornando uma matéria, já complexa, ainda mais articulada.
Em si mesma essa disciplina – como demonstra o fato de que a missiologia
não é uma simples cátedra, nem uma mera licença, mas uma faculdade
universitária propriamente dita – faz compreender o quanto a preparação
para ela requer uma formação autônoma e competências totalmente específicas em
relação à formação que é programada na faculdade de teologia.
Ao
mesmo tempo, porém, a missiologia não é outra teologia, mas uma teologia
contextual, uma teologia encarnada, uma teologia que não se desvincula do
ambiente em que atua, mas entra em relação com ele e a por ele se deixa formar
e moldar.
Enquanto
para a teologia os contextos são marginais, para a missiologia são essenciais,
aliás, são a sua razão de ser. Em outras palavras, a missiologia nada mais é do
que a teologia da
Igreja em saída. Tem um ritmo tangencial, não radial, é
centrífuga e não centrípeta. Pela sua natureza epistemológica, quem se ocupa
dessa disciplina deve estar atento não só à defesa da Tradição, mas também ao
mundo, à pluralidade das culturas, às diferenças substanciais das religiões, às
complexidades sociais, às tragédias humanas e morais que atravessam a história.
Estuda-se missiologia para
tornar-se cristãos que sejam cidadãos do mundo; para enfrentar os problemas do
nosso tempo; para adquirir competências e instrumentos que permitam evangelizar
todo âmbito da esfera humana.
A virada “inter gentes”
Ainda há terras a serem evangelizadas e nações que
ignoram o Evangelho. Associar o termo ad
gentes à missão é,
portanto, legítimo e conserva o seu valor. No entanto, no nosso tempo a missão
não é só “para” os povos, mas também “entre” eles, dentro de suas culturas e
religiões.
A missão
hoje passou de uma inculturação que
era percebida como colonialista, invasiva e extrínseca, para uma missão que
busca valorizar plenamente as outras tradições culturais. De uma missão
coincidente com uma idealista reductio
ad unum que acabava por reduzir o outro a si, a Igreja passou
para uma missão que não se adapta simplesmente às culturas, mas as assume e as
torna parte de si. Por isso de uma inculturação caracterizada
pelo sintagma ad gentes passou-se
a uma interculturalidade qualificada como inter gentes. Não mais apenas uma teologia que
nasce no Ocidente e se move "de Roma" para as gentes, mas também uma
teologia das Igrejas locais e das "periferias" que retorna ao
"centro" e estimula, enriquece e aumenta a Igreja universal.
Jules Monchanin denominava
essa dinâmica missionária de "teologia
da troca". O ritmo da interculturalidade, aliás, é o mesmo da
intersubjetividade típica do personalismo cristão. No encontro com o outro,
sobretudo com civilizações milenares que expressam grandes valores éticos e
espirituais, a Igreja está inevitavelmente destinada a mudar e crescer. Mesmo
que não se possa generalizar, e nem sempre é fácil, a presença missionária diante
dessas antigas civilizações percebe que não é chamada apenas para ensinar, mas
também para aprender. Entende que não só tem algo para dar, mas também algo
para tomar, aliás, para receber. A missão inter gentes, do ponto de
vista da teologia da troca, é chamada não só a informar, mas também a
informar-se, não só a inculturar, mas também a interculturar-se.
O crescimento das comunidades eclesiais locais e o
desenvolvimento das teologias contextuais estão determinando precisamente um
movimento inverso, porque agora muitas vezes são as periferias que
enriquecem e alimentam a Igreja
universal. O efeito dessa nova compreensão da missão é o
nascimento de uma Ecclesia que não é mais eurocêntrica, mas multicultural.
A origem desse processo remonta ao Concílio Vaticano II e
à sua inédita valorização das culturas e das religiões, que não são mais vistas
como um mal a eliminar, mas como uma riqueza a acolher. Por trás da nova
atitude havia um fundamento teológico, a premissa de que o Espírito "já
atuava no mundo antes de Cristo ser glorificado" (AG 4), e a ideia de que
o Verbo de Deus, antes de se fazer carne, já estava no mundo como luz
verdadeira que ilumina todo homem (cf. GS 57).
O resultado lógico foi que hoje, entre as tarefas de ser
missionário, está a de reconhecer e discernir o que o Espírito de Deus atuou
entre os homens antes e fora da Igreja visível. De fato, dando mais um passo
conceitual de não pouca relevância, a teologia missionária utiliza tais
testemunhos para repensar a própria identidade da Igreja. Por outro lado,
promover uma Igreja em saída implica
necessariamente abertura e disponibilidade para a mudança.
O cristianismo, de fato,
não pode ser definido a priori, e a identidade da Igreja, desde o Concílio de Jerusalém,
sempre foi uma identidade aberta. Desse movimento de abertura, por mais
complexo que seja, é afinal legítimo esperar não uma relativização da fé, mas
uma sua potencialização. Do fato de que toda a Igreja é missionária, segue-se que
toda a teologia também o é e deve estar envolvida nesse processo de crescimento
identitário. Desse ponto de vista, a principal dificuldade do trabalho
conceitual do missionário consiste, por um lado, em amortecer um sincretismo
generalizado, incoerente e superficial e, por outro, em enriquecer a
arquitetura cultural e teológica da Igreja. O missionário é o
primeiro a ser chamado não a uma evolução do dogma, mas a um “desenvolvimento
da doutrina” e à superação do “sempre se fez assim”, para citar as palavras
do Papa Francisco.
No fundo, a missão não
é mais só anúncio, mas também escuta. Se no passado a Igreja modelou as outras
civilizações, agora também está aberta a se deixar modelar por elas, porque
a evangelização se
tornou permeabilidade recíproca, intercâmbio, interdependência. Altamente
simbólico e significativo, a esse respeito, é o convite que João Paulo II dirigiu
aos teólogos, pedindo-lhes que aprendessem a linguagem e a sensibilidade
cultural da civilização
indiana (cf. Fides
et ratio 72).
Por outro lado, fazer missão não pode significar destruir
as culturas. O que questiona a Igreja
missionária contemporânea, no máximo, é como ela pode anunciar
o Evangelho preservando-as. Ela se pergunta como pode salvá-las e ao mesmo
tempo assumi-las e integrá-las. De fato, a essência do movimento missionário
não consiste em uma mera e superficial adaptação, mas em assimilar, adquirir e
ultrapassar os costumes de todos os povos. Quando um missionário se encarna numa
determinada cultura, assume a tarefa de se tornar um "vaso
comunicante" e, mais ainda, um "catalisador" que permite que as
Igrejas dos diversos contextos culturais se desenvolvam com autonomia.
É claro, portanto, que o missionário, se não for
proveniente das terras onde atua, deve ser um profundo conhecedor das tradições
e das religiões que pretende evangelizar. Só assim poderá operar não um
simples diálogo
intercultural e inter-religioso, mas um autêntico diálogo intracultural e intrarreligioso.
De fato, o missionário é chamado a ter uma relação real com os povos que o
acolhem, a viver como eles, a pensar como eles, a penetrar nas dinâmicas
profundas que estão na base das suas cosmologias míticas e das suas
metafísicas.
Não raro, graças a essa imersão, o missionário torna-se
um pensador original que atua como estímulo para o desenvolvimento da teologia universal. A
esse respeito, deve-se enfatizar que sua teologia é sempre indutiva,
exploratória e profética. É claro que, pelo menos numa primeira fase da
implantação missionária, a preocupação pela exatidão dogmática ou o radicalismo
seriam atitudes absurdas. O crescimento da Igreja e o seu futuro em continentes
onde ainda é totalmente marginal estão ligados à superação definitiva de
atitudes teológicas pré-conciliares nas quais persistem esquematismos rígidos,
preconceitos, deduções preconcebidas e autorreferencialidade.
Em
síntese, o missionário não
é um simples evangelizador de terras semi-inexploradas, mas um cristão que, com
o seu sacrifício existencial e o seu empenho teológico, contribui para o desenvolvimento global da Igreja,
para a sua transformação e a sua universalidade. A missão inter gentes, que valoriza a
vivacidade e o intercâmbio entre as culturas, exemplifica o mesmo dinamismo
evolutivo da Igreja. Nesta última, de fato, é necessário distinguir entre um
núcleo imutável que é sempre válido (kern)
e uma casca (schale)
que, ao contrário, é sempre mutável porque expressa seu mero revestimento
histórico e cultural.
A Igreja caminha objetivamente para uma universalidade
ainda por vir e pela qual o missionário é responsável. Várias metáforas foram
usadas para representar esse processo. Por exemplo, aquela que traça um
paralelo com os rios que deram origem às grandes civilizações. A Igreja do Jordão seria
sucedida pela do Nilo e
do Tibre,
e agora estaríamos assistindo ao nascimento da igreja do Ganges e
do Rio Azul.
Ainda mais emblemática é a metáfora da semente e da árvore. Segundo essa
lógica, a essência do
cristianismo não estaria na semente das origens, mas sim
na árvore fruto da expansão cultural da religião cristã e do filtro
hermenêutico que agiu habitando e atravessando as várias civilizações.
Muitas vezes os missionários foram promotores e
precursores de uma Igreja propriamente católica e universal, ou seja, capaz de
se libertar das sujeições e dos particularismos de tempos e lugares que não lhe
são essenciais. Jules
Monchanin, antecipando em 30 anos uma das passagens mais
fortes de Nostra aetate,
afirmava que a Igreja seria capaz de integrar tudo o que há de verdadeiro e de
sagrado na experiência espiritual das grandes civilizações quando teria
permeado todas as raças e todas as culturas. A esse respeito, sua visão da
igreja e seu programa missionário merecem ser relatados na íntegra:
"A Igreja, nos primeiros vinte séculos de sua história, foi
moldada, em sua estrutura exterior, sobre a civilização ocidental: hoje,
porém, a exigência de adotar como revestimento da Igreja aquele de outras
civilizações, implica algumas renúncias, um retorno às origens, uma dissociação
do essencial do acidental e, sobretudo, uma interiorização através de uma
intensa vida contemplativa, um primado da mística sobre a liturgia, a teologia,
a filosofia religiosa e as instituições”.
Convém
olhar com esperança para essa teologia da troca. Uma apropriação mais profunda
dos significados ocultos contidos na palavra de Jesus passa por essa dinâmica missionária que
permite descobrir riquezas insuspeitadas no Evangelho. Uma missionariedade teológica marcado
pelo intercâmbio tem o duplo valor de repensar criticamente as religiões à luz
do cristianismo e de repensar este último à luz de sua milenar riqueza
sapiencial.
Por outro lado, se a Igreja é missionária por natureza, é
também naturalmente em saída, naturalmente dialógica e naturalmente inclusiva.
A imposição
eurocêntrica da missiologia do passado, portanto, deixou
espaço hoje para uma missão que não é mais meramente unidirecional, porque a
Igreja entendeu que em outras civilizações o Espírito semeou dons que ela pode
valorizar. Tal movimento, típico de uma Igreja autenticamente em saída, não
deve ser visto como um perigo para a doutrina, mas como uma oportunidade para
amadurecer uma identidade mais ampla e uma maior consciência das verdades
cristãs.
O Papa
Francisco também quis sublinhar que o encontro com a diversidade cultural não
ameaça a unidade da Igreja (cf. EG 117), acrescentando que “uma só cultura não
esgota o mistério da redenção de Cristo” (EG 118) e reafirmando que é impossível
pretender que todos os povos de todos os continentes imitem as modalidades
adotadas pelos povos europeus para expressar sua fé cristã (cf. EG 118).
A abertura da Igreja a novas culturas e
religiões, como as do Oriente, pode ser tão decisiva para
o cristianismo como
foi, para a Igreja
primitiva, a passagem do seu lugar originário no contexto do
judaísmo para o mundo greco-romano porque, como aconteceu na época, poderia ser
igualmente funcional para uma melhor compreensão dos mistérios da fé e sua dogmatização.
No entanto, é preciso reconhecer que esse processo de
crescimento universalizante levará muito tempo. De fato, deve-se admitir que,
depois de 20 séculos, a mensagem cristã foi "metabolizada"
essencialmente apenas pela cultura greco-romana. Ainda que essa passagem tenha
sido impressionante, e mesmo extraordinária, é evidente que o amadurecimento do
cristianismo não pode se limitar a essa única "metabolização".
A fé cristã,
antes de atingir o cumprimento final que abrace todo o mundo e todos os povos,
terá necessariamente que se confrontar com outras civilizações, especialmente
aquelas mais antigas e prestigiosas.
Se esse parece ser o destino do cristianismo, também é
necessário reiterar sua transcendência em relação a toda civilização. De fato,
a Igreja não
se identifica com nenhuma cultura particular porque simplesmente as habita, as
atravessa e as transfigura. Sua função é fazer morrer e fazer renascer toda
civilização. Esse é o ritmo
missionário da Igreja em saída, que não pode deixar de refletir
a aufhebung hegeliana, ou seja,
orientado à conservação do antigo transformado e iluminado por dentro. Em suma,
se pode ser considerado excessivo falar de missão apenas em termos de libertação
da fé cristã dós "laços" da cultura ocidental, é em todo caso
evidente que a Igreja caminha para uma universalidade que é a primeira tarefa
do discípulo missionário realizar.
A virada pastoral
Sobre as mudanças de que é objeto a missão, já tratava a
e encíclica Redemptoris
missio. O novo contexto globalizado, secularizado e
multirreligioso que se criou estimula a Igreja a ser não menos missionária, mas
mais missionária, precisamente porque a impulsiona a sê-lo de forma mais ampla
e transversal.
Hoje a Igreja sabe que não deve mais ocupar-se apenas dos
"distantes", mas também dos "afastados". Essa inesperada
urgência pastoral surge do desencanto religioso contemporâneo, mas também do
fato de religiões antes distantes se tornaram próximas e parecerem ter uma
força atrativa maior do que o cristianismo. Um paradoxo atual é que são elas
que convertem muitos batizados e confirmados. O homem objeto do anúncio
missionário da igreja de nosso tempo, portanto, não é mais somente o
"pagão", mas também o ateu pós-moderno, o relativista e o sincretista
seduzido pelos exotismos da next
age.
Essa é uma nova
situação pastoral que a comunidade eclesial deve
saber enfrentar e à qual deve reagir de modo eficaz. De fato, em alguns
aspectos, o missionário
contemporâneo é chamado não a construir a igreja, mas a
"reconstruí-la", porque não se trata de implantar novas realidades,
mas de revitalizá-las.
A missão está, portanto, experimentando uma transformação
pastoral, porque no anúncio evangélico não é mais fundamental a categoria do
"onde" mas sim a do "para quem" e do "como". É um
dado objetivo que a evangelização, no contexto atual, em muitos casos significa
“nova evangelização”. Teologicamente, não se trata de dar menos importância à
doutrina, mas de recuperar a sua perda de relevância, valorizando estratégias e
instrumentos de comunicação que a façam voltar a ser existencialmente significativa.
Disso decorre a necessidade de uma missão que saiba se renovar pastoralmente
aprendendo a comunicar o Evangelho através
da arte, do pensamento filosófico, do encontro dialógico e de todos os
instrumentos de comunicação ligados ao desenvolvimento informático.
Mas
a virada pastoral da
missão significa também atenção e empenho ativos e
responsáveis com o Reino de Deus, para que se tornem evidentes a sua justiça e
a sua caridade. A missão não deve ocupar-se apenas dos "distantes",
mas também dos "últimos".
Essa é a razão pela qual cada paróquia, salas universitárias, escola, rua,
periferias, prisões, centros de assistência a imigrantes, são hoje, para todos
os efeitos, autênticos lugares de missão. Afinal, a fé não pode ser separada da
prática do testemunho, e a proclamação das doutrinas não pode ser dissociada da
luta contra as misérias, o desconforto social, a delinquência e a
marginalização. Desse ponto de vista, o missionário, que é por excelência um
cristão universal e um cidadão do mundo, só pode dizer I care diante das
injustiças sociais, das várias formas de pobreza, dos direitos humanos
violados, da paz ameaçada, dos desastres ambientais. A sua pauta teológica é
aquela das prioridades do mundo, porque não se limita a ler e interpretar os
tempos em que vive, mas neles age e atua, na medida em que, muitas vezes, está diretamente
envolvido no destino dos "últimos" e compartilha suas condições de
vida.
Desse ponto de vista, o testemunho missionário coincide
com uma virada ortoprática e com uma contextualização existencial da fé. Essa é
a razão pela qual, na formação
do missionário, não deve faltar a aquisição de competências de
gestão e liderança que lhe permitam encontrar recursos e financiamentos capazes
de combater da forma mais eficaz aquele mal que ele conhece de perto e que,
muitas vezes, escolheu compartilhar e assumir para si.
Se o risco de um redimensionamento ético da missão e de
uma secularização dos
valores escatológicos é sempre possível, também é preciso
destacar que entre as atribuições do missionário está também aquela de
demonstrar que o Reino de Deus precisa da fé, de Cristo e sua igreja.
A virada dialógica
A missiologia vive
uma tensão constitutiva entre diálogo e anúncio. Nem mesmo faltam teólogos que
gostariam até de abolir a missão e substituí-la pelo diálogo inter-religioso.
Este é, de fato, um dos pilares do teocentrismo pluralista. No extremo oposto,
porém, também a exaltação do diálogo inter-religioso foi atingida por várias
críticas, pois, além de expor a revelação e a verdade a uma potencial
relativização, foi considerada viciada por um antropocentrismo preliminar.
Independentemente das críticas que ambos atraíram, missão e diálogo inter-religioso são
tradicionalmente considerados antitéticos na medida em que são ordenados a dois
princípios lógicos opostos. A primeira responde a um princípio revelador,
enquanto o segundo a um princípio hermenêutico. A primeira está estruturalmente
ligada ao que já foi dado, o segundo à pesquisa. A primeira se coloca em um
pedestal de superioridade, enquanto o segundo exige um nível paritário. A
primeira tem uma finalidade concreta, enquanto a deontologia do segundo exige
que ele seja sem segundas intenções.
Apesar de sua incompatibilidade com o diálogo inter-religioso,
porém, a própria missão,
especialmente em meados do século passado, esteve no centro de vários ataques
polêmicos. Foi acusada, por exemplo, de ser uma expressão da agressividade colonialista do Ocidente e
de sua autorreferencialidade
cultural; de ser objetivamente inoportuna porque os
protagonistas que devem se encarregar por ela deveriam ser, no máximo, as
populações indígenas e o clero local; e de relevar-se não essencial e não
necessária, uma vez que a salvação é possível para além dos confins da igreja.
Encontrar uma solução para a tensão que divide essas duas
instâncias irredutíveis não é simples, requer um pensamento complexo e a
superação de esquemas lógicos binários, reducionistas e elementares. Deve-se
por como premissa, porém, que os próprios documentos do magistério reconhecem
como o diálogo
inter-religioso faça parte da missão
evangelizadora da Igreja e não esteja em contraposição com a
missão ad gentes (cf.
RM 55). A mesma encíclica, porém, indicava também que não são equivalentes, não
são intercambiáveis e não devem ser confundidos ou instrumentalizados (cf. RM
55).
Analisando
bem, portanto, o diálogo do qual fala Redemptoris missio não pode ser
definido como diálogo em sentido próprio, porque tem como premissa uma verdade
que o magistério não pode colocar em discussão e uma segunda finalidade
implícita representada pela intencionalidade objetiva de converter o outro.
No entanto, existem pelo menos três caminhos lógicos
pelos quais a missão e
o diálogo
inter-religioso podem ser considerados complementares e
funcionais entre si sem entrar em contradição.
O primeiro deles
poderia ser definido como um argumento inclusivista, e encontra seu fundamento
naqueles documentos do Concílio que reconheceram a presença do Espírito e de
sementes da Palavra também fora da Igreja. A tarefa da teologia missionária,
neste ponto, coincidiria com o discernimento de tais sinais e sua exaltação.
Com base nessa premissa, não é contraditório, por exemplo, que o Vaticano II tenha
decidido dedicar um documento à missão e outro ao direito à liberdade
religiosa, o que, num plano teórico, representa exatamente o oposto. A esse
respeito, pode-se afirmar que Nostra
aeate e Dignitatis
humanae sejam também documentos missionários como o é Ad gentes. À luz das
inovações inclusivistas do Concílio,
seria até incoerente uma comunidade eclesial que não se abrisse com simpatia às
outras culturas e religiões. Os documentos citados, de fato, atestam que ao ir
ao encontro do outro, o cristão pode descobrir a si mesmo e a sua própria
verdade, também porque no outro se encontra sempre o Outro.
Desse ponto de vista, a missão, entendida
como posse da verdade, já não está em contradição com o diálogo, entendido como
busca da verdade, porque, embora manifestada em grau diverso, trata-se da mesma
e igual verdade. A missão, em virtude daquelas intuições teológicas que fundaram
o inclusivismo, teria a tarefa de revelar e levar a cumprimento aquela verdade
de Cristo que nas outras religiões é implícita, parcial e anônima.
Um segundo caminho lógico é
baseado no conceito de relação. Se Deus é em si mesmo relação, de fato, e a
missão é relação dialógica, então esta última já é uma expressão da verdade e,
portanto, de Deus. Isso fica imediatamente vidente no plano moral, porque a
ética que serve de fundamento ao diálogo é expressão evidente dos valores que
caracterizam o Reino de Deus. A própria Redemptoris
missio reconhecia que o diálogo é um caminho para o Reino e
certamente dará seus frutos (cf. RM 57).
Resumindo,
essas premissas indicam, como corolário, que empenhar-se no diálogo já
significa ser missionários. É isso porque o diálogo coincide com a verdade (ou
seja, reflete a natureza divina) e a verdade está no diálogo (ou seja, expressa
os valores do Reino de Deus). Como sinal e símbolo de unidade, o diálogo pode
ser feito coincidir com o bem, assim como, tradicionalmente, o mal é associado
à divisão e ao conflito.
Desse
ponto de vista, o confronto dialógico não pode mais ser nem mesmo considerado
um mero “meio” para alcançar algum outro resultado ou objetivo, mas já é em si
mesmo um “fim”. Se, também nesse caso, há sempre o risco da secularização teológica e
de um certo antropocentrismo, é igualmente verdade, pelo contrário, que o
diálogo pode ser considerado parte da revelação e sua essência. Comunica uma
verdade múltipla: a natureza tripessoal de Deus que é em si mesmo relação;
a kenosis de
Deus logos que
entra em diálogo com o homem; e a natura iniludível do diálogo para alcançar o
Reino anunciado por Cristo.
Um terceiro
caminho lógico que demonstra a complementaridade entre missão e diálogo,
ainda que a primeira esteja vinculada a um princípio veriativo e o segundo
àquele hermenêutico, é que a verdade no plano histórico nunca é dada de forma
plena e evidente, consequentemente, o diálogo torna-se o instrumento que
permite avançar para ela.
A
própria revelação desvenda e esconde uma verdade, que está além e sempre a ser
alcançada. Mais do que uma noção, coincide justamente com uma procura, com um
“ir para”. Nesse sentido, uma categoria que pode superar a contradição entre
esses dois conceitos e ser funcional à sua harmonização é a do “já e não
ainda”. A missão anuncia a verdade "já" dada, enquanto o diálogo
acompanha o caminho rumo ao "não ainda".
Nesse
sentido, o confronto dialógico e a hermenêutica representam os principais meios
pelos quais se torna possível proceder para uma verdade que está sempre em
devir e um passo à frente do homem. Se no plano existencial e salvífico a
revelação comunica uma verdade plena, no plano da posse conceitual ela
permanece sobranceira e inesgotável. O conhecimento de Deus, nas palavras
de Paulo, é sempre per Speculum et in Aenigmate (1Cor
13,12). Na espera, portanto, que o plano escatológico entregue ao homem a
verdade plena e definitiva, o diálogo – inclusive o diálogo inter-religioso –
é um modo de proceder rumo a ela.
Em
última análise, embora ontologicamente diferentes, missão e diálogo têm
em comum o fato de serem ambos ordenados à verdade. O diálogo é autenticamente
tal apenas e somente quando debate conteúdos de ordem religiosa. A conclusão
que se deve tirar é a recíproca complementaridade que liga um confronto
dialógico que, sem tratar de conteúdos teológicos, seria desprovido de
substância; e uma teologia que compreendeu a necessidade do diálogo para
crescer, para se universalizar e penetrar cada vez mais profundamente no
mistério avassalador de Deus. É claro, em todo caso, que hoje a missão se realiza
por meio do diálogo, e o diálogo é parte da missão da igreja. Entre suas
funções está precisamente a de promovê-lo, desenvolvê-lo e ensiná-lo.
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