O FUMO DE ROLO E O VELHO CAATINGUEIRO
Manoel Belarmino
Sempre que vejo na feira livre de Poço
Redondo o fumo de rolo à vendam eu me lembro do meu avô Zé Anicácio do Sítio
dos Soares, em Poço Redondo.
Sentado no banco de craibeiro, sob o telheiro
da casa de taipa, no meio da caatinga, o velho José está ali sentado. Bisneto
de índia descendente do Território de Maria do Rosário de Poço Redondo e de negro
remanescente dos quilombos sertanejos e caatingueiros de Sergipe. E já perdeu
as contas dos anos da sua idade. Cabelos e sobrancelhas brancas. Olhos de
vaqueiro rastejador de gado brabo no mato. Chapéu de couro de veado e alpercata
de couro. Vestido de calça e camisa azul estilo armorial. Ali está José
sentado, pensativo, numa manhã de um dia de outubro. Na sua memória imagens
incríveis se apresentam. Imagens de caçadas no mato, imagens das festas de pega
de boi no mato, imagens das cavalhadas, das novenas, dos leilões e das
memoráveis noites de lua e das cantigas de roda.
Mas ali está José sentado, sob o telheiro da
casa caatingueira do sertão. Na sua mão uma faca afiada. No lado um cepo de braúna
e no seu aió de couro um pedaço de fumo de rolo. E ainda do outro lado uma
quartinha com água fresca de tanque coada no pano.
De hora em hora, o seu José faz um cigarro de
fumo de rolo e pega um pedaço do fumo para mascar. E assim a vida de seu José
continua lá na caatinga.
Sempre ao entardecer, na boca da noite, seu
José faz a oração para Nossa Senhora da Conceição de joelhos de frente para o
seu oratório.
E depois... Depois de comer o cuscuz com
leite e carne do sol, seu José reúne os netos e filhos na luz da lua ou do
candeeiro para contar as mais belas histórias e estórias de cordel. Estórias de
princesas encantadas, de heróis, de vaqueiros, de caçadores. E sempre com um
cigarro de fumo de rolo na boca. E depois se recolhe para dormir o sono que só
um sertanejo da caatinga pode ter.
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