(IN)DEPENDÊNCIA DO BRASIL

Manoel Belarmino

Neste dia 7 de Setembro de 2022, nos 200 Anos da (In)dependência do Brasil, o Blog O Maranduba traz, na íntegra, um artigo de autoria do Frei Betto, que vale apena ser lido. Betto é escritor, autor de diversos livros, e escreveu o romance “Tom vermelho de verde”, publicado recentemente pela Editora Rocco.




Eis o artigo.

Com a exposição de um coração atribuído a D. Pedro I, importação cara e necrófila feita pelos atuais ocupantes do Planalto, o Brasil comemora 200 anos de independência de Portugal. Deixamos Portugal para cair nos braços da Inglaterra, da União Europeia e, sobretudo, dos EUA.

As narrativas sobre o episódio “às margens do Ipiranga” são quase todas elitistas. Afonso Taunay (1876-1958), ao encomendar pinturas para o Museu Paulista, fez questão de excluir as lutas populares pela Independência e favorecer uma versão oligárquica e pacifista.

 A participação dos indígenas em nossa Independência é ignorada ainda hoje. Na estátua de D. Pedro I na Praça Tiradentes, no Rio, o pedestal retrata indígenas e animais de nossas selvas. Ao ser inaugurada, em 1862, o historiador Mello Morais chegou a indagar: “Que parte tiveram esses índios e aqueles jacarés na Independência do Brasil?”

Quase todas as narrativas sobre nossos povos originários anterior a 1980 soam como “crônicas de morte anunciada”, como se estivessem condenados ao extermínio ou a serem assimilados pela população em geral. Só em 1988 a Constituição assegurou a eles direito à terra e às suas tradições e culturas. Pela primeira vez, o Estado brasileiro se reconheceu multiétnico.

Criou-se o mito de que a Independência assegurou a unidade territorial do Brasil. Ora, D. Pedro I se interessava apenas por Rio de Janeiro, São Paulo e Minas. Não dava ouvidos às outras províncias. Por isso teve que enfrentar várias revoltas regionais contra o governo imperial, como Farroupilha (1835-1845), no Rio Grande do Sul; Cabanagem (1835-1840), no Pará; e a Sabinada (1837-1838), na Bahia. Maranhão e Pará eram províncias apartadas do Brasil até 1820. O Acre pertencia ao Peru e à Bolívia, e só foi anexado ao Brasil em 1903.

D. Pedro I chegou a contratar o lorde inglês Thomas Cochrane (1775-1860) para reprimir rebeliões populares. No Pará, o cônego Batista Campos (1782-1834), que se opunha ao trabalho escravo, sofreu tortura em praça pública, enquanto 256 aliados dele eram asfixiados no porão de um navio. É considerado o autor intelectual da Cabanagem, que teve importante participação indígena. Na versão da elite, “cabano” significa aquele que vivia em cabanas à beira dos rios. Na versão dos ribeirinhos, o termo é associado aos brancos repressores que se vangloriavam da sanha repressora: “Acabamos com tudo.”

Se D. Pedro I tinha pouco interesse pelo resto do Brasil, por que o nosso país, então integrado por 18 províncias, não se fragmentou, como ocorreu em tantas regiões da América Latina? Entre várias hipóteses fico com a mais vergonhosa: a unidade territorial se manteve por força do projeto escravagista voltado à exploração mineral. O regime escravocrata uniu as elites provincianas e alicerçou a formação do Estado brasileiro.

Outro fator que influiu em nossa coesão territorial foi a vinda da Corte portuguesa para o Brasil em 1808. A frase atribuída ao governador de Minas, Antônio Carlos de Andrada, em 1930 – “façamos a revolução antes que o povo a faça” -, poderia ter sido dita no período colonial. D. Pedro I, filho de D. João VI, proclamou a Independência antes que as rebeliões populares, como a Conjuração Mineira, lograssem devolver a Corte a Portugal.

Não eram só as revoltas populares, pipocando Brasil afora e agravadas pelos quilombos, habitados por escravos libertos, que tiravam o sono do imperador. Ele sabia que os nossos vizinhos na América do Sul se independentizavam da Coroa espanhola: Bolívar comandou as independências de Colômbia (1810); Venezuela (1811); Equador (maio de 1822); e, em 1825, Bolívia. San Martin liderou as da Argentina (1816) e Peru (1821), e deu apoio à libertação do Chile (1818).

“Façamos a Independência antes que o povo a faça.” Aqui ela foi consumada “por cima”, a ponto de adotar uma bandeira que não traz o azul dos nossos céus, como aprendi na escola, e sim a cor símbolo da nobreza (“sangue azul”); o amarelo do ouro; e o verde que não retrata as nossas matas, e sim a cor da Casa Real de Bragança. Já a iconografia das bandeiras dos países hispânicos alude a movimentos de libertação e processos revolucionários.

O senso de brasilidade é tardio. Até final do século 18 os habitantes daqui se consideravam “portugueses da América” e muitos reivindicavam igualdade de direitos com os portugueses de Portugal. Isso incomodava a elite de Lisboa, que se arvorava em centro do Império. D. Pedro então foi pressionado a estabelecer uma Assembleia Legislativa no Brasil que adotasse leis próprias. Só então se popularizou a ideia de ser brasileiro. 

Concordo com Caio Prado Junior e Florestan Fernandes: ao lograr a emancipação política do Brasil, a Independência criou um Estado capaz de preservar as estruturas econômicas e sociais do período colonial.

Ainda resta muito a conquistar. E as eleições estão à porta. Votemos pela independência do povo brasileiro!

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